quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

FILHOS, NÃO EMPREGADOS

LUCAS 15.31. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas.


        Às vezes, nos limitamos tanto em relação as bênçãos divinas. Parece-me que nada está a nosso alcance, quando, na verdade, são direitos nossos por filiação.

        Fomos adotados pelo amor, não devemos temer em participar de tudo que é do nosso Pai. A riqueza dele é nossa. Tudo é vosso, vós de Cristo e Cristo de Deus. (I Co. 3.23). Devemos aprender a usufruir das farturas da casa do Pai. Não impor-nos restrições que o Pai não impõe. Não nos limitarmos as rotinas da obediência do servo, cumprimos as ordens sim, mas devemos parar de viver o modo legalista da vida de um empregado que não pode tudo, porque não têm direitos por não ser filho, por isso usufrui só o que conquistou por esforços próprios. Não! Nós somos filhos, nós temos liberdade e temos que ter ousadia para entrar até no mais reservado local, o santo dos santos, nos segredos e profundidades das riquezas insondáveis de Cristo, pelo Espírito Santo, afinal somos filhos, e o Espírito testifica essa filiação.

        O "pródigo" quando voltou não se considerava mais como filho, isso trazia em sua memória restrições que ele mesmo se impôs, considerando que até o alimento seria um direito conquistado por seus esforços de jornaleiro, na casa do seu Pai (patrão). O seu senso de respeito o mantinha resoluto em não avançar em liberdades na "casa alheia". Isso não é ruim, mas desnecessário aos filhos. Não, para com isso, o Pai o abraça e se alegra por ter você novamente como filho, e agora, apesar dos erros do passado, você voltou a comunhão da família de Deus, portanto, tudo é seu. Viva como filho, tome posse do que é vosso e participa com alegria.

        E, quem está em casa sempre, como o irmão mais velho, crente antigo, a pergunta é: quando foi que você perdeu a liberdade diante do Pai, dentro da sua casa? Você é filho, participe com alegria de tudo na comunhão com o Pai e com seu irmão, inclusive participe isso a seus amigos. Os seus amigos podem comer um cabrito contigo e saber que tudo quanto tem na casa de seu Pai é livre para os filhos, eles precisam saber o quanto é gostoso ser filho do seu Pai, eles precisam saber que o que seu irmão "pródigo" fez, saindo de casa, foi um erro. Eles precisam saber que voltar pra casa do Pai é voltar a viver. E o Pai espera de braços abertos o retorno de quem quiser voltar a vida.

        Portanto, festejemos a vida de quem volta, celebremos a vida de liberdade na casa de Deus! Lembre-se o Pai já lhe respondeu: ___ “Meu filho, você está sempre comigo; tudo o que eu tenho é seu." Que Deus nos abençoe!

terça-feira, 16 de novembro de 2021

O Alcance da regeneração na vontade humana

            Não há dúvidas de que a queda afetou todo o ser humano: corpo, alma e espírito. Agora ele precisa de uma regeneração e restauração completa. A esperança está em Deus. “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.” (1 Ts. 5.23).
        É importante destacar que a depravação total afetou o corpo (Rm 6.6, 12), e isso foi completamente a ponto de Paulo exclamar: “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24). Afetou a razão humana como Paulo fala aos coríntios que “os seus sentidos foram endurecidos”, e que “o véu está posto sobre o coração deles” (2 Co.3.14-15). Aos romanos ele escreve: “porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu.” (Rm 1.21). Afetou as emoções humanas que Paulo afirma aos Gálatas sobre a mudança que ocorre em Cristo, os que são dele “crucificaram a carne com suas paixões e concupiscências.” (Gl 5.24). E as emoções carnais da pessoa sem Cristo é citado por Paulo numa lista que retrata a humanidade depravada: “porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus” (2 Tm 3.2-4). Não posso deixar de mencionar que a depravação total afetou a vontade humana, assim como Paulo fala aos romanos:
Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça. Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne; pois que, assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia e à maldade para a maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para a santificação. (Rm 6.16-19). Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado. Porque o que faço, não o aprovo, pois o que quero, isso não faço; mas o que aborreço, isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. De maneira que, agora, já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. (Rm 7.14-20). (ALMEIDA, 2009).
            A questão da vontade humana foi afetada de forma abrupta, não resta dúvida que o homem está sem condições de por si só voltar a Deus, ele se encontra morto em delitos e pecados (Ef 2.1). Sobre isso lemos “Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. (Rm 3.11). Aos efésios Paulo mostra esse estado humano sem vida, “entre os quais todos nós também, antes, andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também.” (Ef 2.3) E, assim, a Bíblia traz diversas expressões para mostrar que a humanidade caída não tem mais controle sobre suas ações porque agora está em estado de impiedade (Rm 5.6); em desobediência (Cl 3.6); sob a ira de Deus (Ef 2.3); escravizada pelo pecado (Rm 6.20); dentre outras configurações de sua malignidade atrevida contra Deus.
            No entanto, esse homem não está abandonado no mundo, porque Deus o ama. Esse amor de Deus é um ato de doação da graça em Cristo Jesus. Há resposta à pergunta de Paulo: Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24b). E a resposta é simples: Jesus. “Mas não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque, se, pela ofensa de um, morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos.” (Rm 5.15). O amor de Deus estendeu essa graça a todos os homens, “Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens,” (Tt 2.11), e os ensina a viver com uma nova postura, com as atitudes de quem foi transformado, “ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, justa e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus Cristo,” (Tt 2.12-13), agora um cristão fiel, zeloso das obras de Deus, “o qual se deu a si mesmo por nós, para nos remir de toda iniquidade e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras.” (Tt 2.14).
            O grande dilema está na afirmação extrabíblica, falsa ou ignorante, de que a queda corrompeu de tal forma a humanidade eliminando toda a sua vontade. Para esses, não restam desejos ou ações livres por parte das pessoas. Quem pensa assim, esquece-se da orientação da Palavra de Cristo que convida: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” (Mt 11.28); Que espera uma decisão consciente e pessoal: “Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para a vossa alma.” (Mt 11.29). Embora, seja extenso os textos falando sobre a provisão divina em favor do homem que deve tomar uma decisão em seguir a Cristo, como João (1. 11-12) afirma: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que creem no seu nome.” Aqui está clara que a decisão de receber a Jesus é do homem o qual pode resistir a essa graça que lhe é primeiramente oferecida por Deus, como ato de amor e misericórdia. No entanto, os opositores deste conceito afirmam que o pecador está morto em delitos e pecados (Ef. 1.1) e não tem vontade, nem ação de decisão livre, sendo eleito incondicionalmente por Deus para a salvação, por isso, recebe vida e justificação em Cristo sem fazer nada. Depois, segundo eles, é que sua vontade é restaurada, porém controlada, porque foi restaurada para querer o que Deus quer para permanecer salvo.
            Isso tudo é muito confuso, porque não está correto. Não negamos a depravação total do homem. Ele morreu espiritualmente, a queda o levou a morte. Porém, essa morte é espiritual e não deixa ninguém sem a razão. Por isso são inescusáveis por contemplar a própria natureza e negar a Deus. “Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis;” (Rm 1.20). Se a queda o corrompeu a ponto de não ser um homem capaz de compreensão e ações livres, logo, esse versículo supracitado não teria sentido. Concordamos, portanto, que o homem sem Deus está morto em delitos e pecados, mas há uma graça preveniente de Deus em Cristo, conforme disse Jesus: “E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim.” (Jo. 12.32). Neste verso encontramos a resposta para todas as perguntas sobre a soberania de Deus e ações livres dos homens, ele nos amou primeiro (1 Jo. 4.19). O ato de amor de Deus foi manifestado em Cristo, (Jo. 3.16), e quando ele foi levantado da terra, a graça estava estendida, o véu se rasgou do alto-abaixo, ficando livre o acesso a Deus por Jesus Cristo, assim a oferta foi escancarada a todos quantos a quiserem.
            Seguindo esse mesmo raciocínio, entendemos que por causa da depravação total, ninguém busca a Deus, mas Deus busca ao homem e lhe oferece perdão, (Lc 19.10); A iniciativa para a salvação do homem caído é de Deus, por meio dessa graça preveniente, oferta de salvação, ainda que o homem seja contrário a Deus, ele saberá que uma ação de Deus foi feita a seu favor. Deste modo a salvação é um dom de Deus, não vem dos homens. E fica clara a possibilidade de os homens rejeitarem a oferta de salvação, após todos serem atraídos a ele.
            Falando sobre o livre-arbítrio depois da queda e a morte espiritual do homem, Geisler (2001, p. 36), esclarece que: “‘Morte espiritual’ na Bíblia não significa aniquilação, mas separação. Isaías disse: ‘Mas as suas maldades separaram vocês do seu Deus’ (Is 59.2). Do mesmo modo, a ‘segunda morte’ não é aniquilação, mas separação consciente de Deus (Ap 20.14; cf. 19.20; 20.10).” Então complementa:
O livre-arbítrio após a Queda.
Mesmo após Adão ter pecado e se tornado espiritualmente “morto” (Gn 2.17; cf. Ef 2.1) e pecador “por natureza” (Ef 2.3), ele não era depravado completamente, a ponto de não poder ouvir a voz de Deus ou de dar uma resposta livre (v. cap. 4). Porque “o Senhor Deus chamou o homem, perguntando: ‘Onde está você?’ E ele respondeu: ‘Ouvi teus passos no jardim e fiquei com medo, porque estava nu; por isso me escondi’” (Gn 3.9,10). A imagem de Deus em Adão foi manchada pela Queda, mas não apagada. Foi desfigurada, mas não destruída. Em outras palavras, a imagem de Deus (que inclui o livre-arbítrio) ainda está nos seres humanos após a Queda. Essa é a razão de o assassínio (Gn 9.6) e mesmo a maldição (Tg 3.9) de outras pessoas serem considerados pecados: “Porque à imagem de Deus foi o homem criado” (Gn 9.6). (GEISLER, 2001, p. 36-37).
      Uma explicação complementar sobre o homem estar espiritualmente morto, após o pecado, é encontrada em notas explicativas na Bíblia de Estudo do Discípulo, conforme a seguir:
Efésios 2.1-3 PECADO, morte – vida longe de Cristo é morte. O pecador vivo está espiritualmente morto. A morte vem quando seguimos os hábitos da sociedade dominada por Satanás. Pecar e satisfazer desejos egoístas. Pecar é viver sob a ira de Deus. A vida existe apenas em Cristo. Efésios 2.1-10 NATUREZA HUMANA, Natureza espiritual - O pecado traz a morte. Paulo chamou de mortos há muitos que estavam fisicamente vivos, porque o pecado e Satanás lhes controlavam a vida. Seguir os desejos naturais da carne atrai a ira de Deus. Deus nos dá uma opção - o caminho do seu amor e da sua graça. Podemos conhecer a verdadeira qualidade de vida - vida eterna - que Deus queria que tivéssemos. Essa vida oferecida pela graça de Deus começa na terra, capacitando-nos a fazer as obras que Deus deseja que façamos. (ALMEIDA, 2018, p.1540).
            Então, a partir do exposto, está claro que a regeneração ou restauração operada no homem no dia que ele recebe a Jesus em sua vida é completa. Em efésios 2.4-6 lemos: “Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus;”. Agora o homem está novamente restaurado pelo perdão. E a sua natureza é outra em Cristo: “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” (2 Co. 5.17) A partir de Cristo, a vontade do homem é perfeita e livre para decidir seguir a Cristo diariamente. Jesus fala assim aos seus seguidores e amigos, os discípulos: “Então, disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me;” (Mt 16.24). Antes o homem andava segundo o curso do mundo, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos (Ef.2.2-3). Logo, o pecador estava morto, mas mesmo sem vida, tinha vontade carnal, a vontade corrompida. No entanto, agora está vivo e sua vontade restaurada, podendo escolher servir ao Senhor com propósito específico: “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas.” (Ef 2.10).
            Cabe ressaltar o trabalho do Espírito Santo na vontade do homem enquanto faculdade da alma, afetada pelo pecado, da mesma forma que a natureza humana, exposto na doutrina da depravação total, de modo a entender que em Cristo a vontade do servo de Deus está submissa à vontade do Senhor, rumo à santificação. Sobre isso, Paulo escreve aos gálatas, combatendo o apego a lei em detrimento da graça, ele afirma que fomos salvos pela graça e justificado pela fé, não tendo mais direito sobre nossas vontades, as quais estão crucificadas em Cristo, conforme lemos:
“Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé de Cristo e não pelas obras da lei, porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. Pois, se nós, que procuramos ser justificados em Cristo, nós mesmos também somos achados pecadores, é, porventura, Cristo ministro do pecado? De maneira nenhuma. Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, constituo-me a mim mesmo transgressor. Porque eu, pela lei, estou morto para a lei, para viver para Deus. Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim. Não aniquilo a graça de Deus; porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde.” (Gl 2.16-21). (ALMEIDA, 2009).
            Na busca pelo processo de santificação, a vontade do corpo, alma e espírito são subjugadas pelo Espírito Santo ao Senhor. Em 1 Pe. 1.2, lemos: “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: graça e paz vos sejam multiplicadas.” O apóstolo Pedro está saudando os eleitos, salvos, mas que agora estão num processo de santificação operada pelo Espírito Santo que “os guias a toda a verdade”. “Através do sangue de Cristo, ele nos salvou. Através do Espírito Santo, ele trabalha em nossa vida para nos santificar, ou nos fazer Santos, obedientes a Cristo. (ALMEIDA, 2018, p.1651).
            Ainda sob esse mesmo contexto regenerador do Espírito Santo operando a santificação, Champlin coloca três aspectos que esclarecem a transformação que ocorre no homem após sua entrega a Cristo Jesus, ele menciona transformação metafísica, transformação moral e o cultivo da santificação, comentando 2 Tessalonicenses 2.13. “Mas devemos sempre dar graças a Deus, por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito e fé da verdade,” e assim, explica:
            «...pela santificação do Espírito...»
            a. A salvação é um empreendimento elevado em demasia, para ser realizada pela mera vontade humana. Tudo procede da graça divina (ver as notas a respeito em Ef. 2:8). A santificação é a salvação em seu atual estágio de operação. Por conseguinte, é algo pertencente ao Espírito Santo. Isso também é dito em I Cor. 6:11. O Espírito também opera a correspondente transformação metafísica, a qual se alicerça sobre a transformação moral do crente (ver as notas sobre a questão, em II Cor. 3:18).
            b. A santificação é uma operação efetuada sobre o ser essencial do homem, o seu espírito (ver I Tes. 5:23). Por esse motivo, requer a reação positiva do homem, o seu esforço (através de meios espirituais) no sentido de sua própria santificação. Paralelamente ao cultivo da santidade e de todas as virtudes espirituais em nós, por parte do Espírito (ver Gál. 5:22,23 e suas notas expositivas), também devemos cultivar a presença do Espírito em nós. Isso pode ser feito através do em prego dos meios de desenvolvimento espiritual, a saber, o estudo dos documentos sagrados e outros livros de ajuda espiritual, a oração, a meditação, a prática da lei do amor (as boas obras), e o uso dos dons espirituais.
            c. Sem a santificação, ninguém jamais verá Deus (ver Heb. 12:14). (CHAMPLIN, 2002, p. 251)
            Outro fator é saber quando a pessoa está seguindo vontade de Deus. É certo dizer que todos queremos ser transformados pelo Senhor, mas como dissemos, a vontade humana, depois que pessoa entrega a sua vida a Cristo, é submissa a direção do Senhor, sobre isso Horton (2018) esclarece, apresentando como é quando um homem tem o Espírito Santo em sua vida e sua vontade está submissa a Deus:
Uma das evidências mais importantes da obra do Espírito Santo, tanto na igreja como nas vidas dos indivíduos, era a maneira de o Espírito guiá-los. Vários incidentes na vida de Pedro e Felipe já foram mencionados. Mas a orientação do Espírito Santo destaca-se ainda mais nas experiências do apóstolo Paulo. A palavra dada aos líderes em Antioquia era muito específica (Atos 13.1-4). Esses homens eram profetas e mestres usados e dotados pelo Espírito Santo, homens que edificavam a igreja, tanto espiritual como numericamente. Porque tinham consciência das suas necessidades espirituais, bem como das da igreja, costumavam dedicar, juntos, tempo ao jejum e à oração. Sabiam que deviam ministrar ao Senhor (permanecer diante dele em intercessão na busca da sua presença e poder) para poderem ministrar ao povo. Numa dessas ocasiões, o Espírito Santo falou (através da palavra profética). Ele ordenou que fossem separados Saulo e Barnabé para a obra que o designara. Então, depois de jejuarem e orarem, os despediram. O versículo 4 enfatiza que foram enviados pela intervenção do Espírito Santo.
            Finalmente, um esclarecimento faz-se necessário, o tema já está bastante explícito, mas como dissemos no início, citando (1 Ts, 5.23): “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.” O homem precisa de uma regeneração e restauração completa para que sua vontade esteja alinhada à vontade de Deus, a fim de uma melhor compreensão dessa obra do Espírito no corpo, alma e espírito humano, que são reais, como pode notar em: a) santificação do espírito, (1 Pe. 1.2 e 2 Co. 7.1). b) santificação da alma, (Fp. 4.7-9 e Hb. 12.12-16). c) santificação do corpo, (1 Co. 6.12-20 e 1 Co. 3.16-17).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada, Edição Almeida Revista e Corrigida (ARC). On-line, 2009. Disponível em: https://www.biblegateway.com/
ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia de Estudo do Discípulo, Edição Revisada e Atualizada, Santo André, Geográfica Editora, 2018.
CHAMPLIN, Russell Norman. Novo Testamento Interpretado. 1 ed. Volume 6. São Paulo, Editora Hagnos, 2002.
GEISLER, Norman. Eleitos, mas livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Tradução de Heber Carlos de Campos. São Paulo, Editora Vida, 2001.
HORTON, M. Stanley, A doutrina do Espírito Santo no Antigo e Novo Testamento, 16ª impressão, Rio de Janeiro, CPAD, 2018.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

A pregação da Palavra de Deus, academia ou nada, os extremos devem ser evitados.

                A Bíblia vem carregada de informações e advertências ao povo de Deus para não se apartar da sua Palavra. Oseias 4.6 exclamou na voz do Senhor dizendo: “Meu povo perece por falta de conhecimento”. E essas recomendações se repetem, mas o povo continua negligenciando o conhecimento de Deus. O Salmo primeiro traz a advertência para o contraste entre quem medita na Palavra de Deus e os que seguem outros conselhos. Na verdade, quem não medita na Palavra, certamente, está desnorteado, sentando-se em qualquer roda de escárnio, recebendo a orientação de ímpios e de outras fontes e, por isso, não são bem-aventurados.
                No Brasil, ao contrário do que muitos pensam, os pioneiros foram mais apaixonados pelos estudos do que a geração atual que dispõe de mecanismos de facilitação da informação, como as mídias de universalização de conteúdo. Os primeiros crentes oravam e meditavam, suplicando a orientação correta para a condução do povo de Deus em santidade. A adoração e a comunhão espiritual eram, no início da Igreja Assembleia de Deus, no Brasil, ingredientes indispensáveis para receber o suprimento de vida espiritual a entregar e repartir ao seu povo. Os antigos, com temor, agiam como os discípulos nas multiplicações de pães, recebiam do Senhor e repartiam aos ouvintes famintos, que assentavam porque sabiam que seriam supridos ainda que ali não houvesse luxo material, mas o Senhor estava presente na reunião e os não despediriam sem alimento.
             O momento atual é de maiores expedientes para a organização do sermão, mas esse parece ser o fator principal que gera outros problemas: de um lado estão aqueles que encontraram a facilidade de apropriar-se de sermões prontos e abandonaram os recursos espirituais, ou seja, os responsáveis por alimentar o rebanho do Senhor não estão mais vivendo a prática da oração para saber do próprio Senhor o que ele deseja transmitir ao seu povo; de outro lado, estão aqueles que são totalmente contra aos estudos porque consideram que o Senhor os dará a Palavra ao abrir da sua boca, e, assim, espiritualizam tudo, inibem as pesquisas e os estudos sistemáticos da Palavra de Deus. Há ainda uma grande parte dos ministros do evangelho que estudam muito, mas não tem consagrado sua vida em buscar ao Senhor, por isso, não consegue ser acadêmico e ter a mensagem cristocêntrica ao mesmo tempo. Esses tipos de obreiros são nocivos na divulgação dos estudos sistemáticos porque as suas mensagens não correspondem a alguém que recebeu de Deus a Palavra da salvação. E, assim, o povo rejeita o estudo bíblico.
            Não se deve ter postura contrária a academia, pois seria negligenciar a busca pela melhor compreensão das verdades eternas, mas não se pode mecanizar a Palavra e negar a ação do Espírito Santo. Os estudos acadêmicos são importantes e necessários para ampliar a visão e oportunizar descobertas presentes no texto, mas muito mais importante são os textos revelados no contexto da Igreja em louvor a Deus e não aos homens.
Felizmente, a preparação exegética requerida para um sermão não envolve a produção de um ou dois trabalhos exegéticos por semana. Infelizmente, porém, a maioria dos pastores com preparação teológica, que aprenderam a escrever monografias exegéticas para um curso, não tiveram igual treinamento para aplicar essas habilidades à tarefa mais comum da preparação de sermões. (STUART e FEE, 2002, 312)
            Atualmente, muitos textos dos sermões não passam de retórica aperfeiçoada e a combinação correta de uma sequência de frases de efeitos para prender a atenção, cuja unidade e coerência nada tem a ver com a Palavra de Deus. Um texto para um sermão construído na mente acadêmica, sem um coração pleno de Cristo, somente atinge a mente das pessoas, mas é incapaz de mudar o coração do pecador.
                Aparentemente, a academia tem roubado a simplicidade que há em Cristo e as filosofias e conceitos humanos têm superado o entendimento dos líderes e exegetas do século XXI. Os esboços desses obreiros são vitrines que cativam a atenção de outros novos líderes nas mídias sociais. O que seria muito bom se não viesse recheada de conceitos arbitrários, pessoais, travestidos de verdades, apontando um outro evangelho e um outro Jesus, conforme Paulo já alertava aos líderes em Atos 20.27-32:
27 porque nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus. 28 Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a Igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue. 29 Porque eu sei isto: que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não perdoarão o rebanho. 30 E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si. 31 Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, durante três anos, não cessei, noite e dia, de admoestar, com lágrimas, a cada um de vós. 32 Agora, pois, irmãos, encomendo-vos a Deus e à palavra da sua graça; a ele, que é poderoso para vos edificar e dar herança entre todos os santificados.
            No entanto, a pergunta é sobre o caminho que devemos seguir para que esta concepção contrária ao estudo sistemático da Palavra de Deus seja afastada de vez de muitas mentes e, principalmente dos púlpitos?
                Na contramão do que os líderes atuais estão anunciando, que o crente deve ter apenas uma vida cheia do Espírito Santo, mas sem a necessidade de realizar estudos sistemático da Palavra de Deus, porque o Espírito Santo concede e revela a sua Palavra, o Pastor Antônio Gilberto afirmava que assim como Cristo é a Palavra viva, a Bíblia é a Palavra escrita, então o crente tem a necessidade de estudar a Bíblia, porque ela é o único manual do crente na vida cristã e no trabalho do Senhor; Ela alimenta as nossas almas; e é o instrumento que o Espírito Santo usa, (Ef. 6.17); Ela enriquece espiritualmente a vida do cristão (Sl. 119.72):
Se em nós houver abundância da Palavra de Deus o Espírito Santo terá o instrumento com que operar. É preciso, pois, meditar nela (Js.1.8; Sl. 1.2). É preciso deixar que ela domine todas as esferas da nossa vida, nossos pensamentos, nosso coração e, assim, molde todo o nosso viver diário. Em suma: precisamos ficar saturados da Palavra de Deus. Um requisito primordial para Deus responder às nossas orações é estarmos saturados da sua Palavra (Jo.15.7). (SILVA, 1986, p. 11-12)
            E o próprio Jesus foi um estudioso das Escrituras. Ao pregar, usou as Escrituras para mostrar o seu tema central, Jesus. Assim, ele fala de si mesmo e do seu propósito em vir ao mundo, morrer pelos pecadores e ressuscitar, conforme registrou o evangelista Lucas 24.25-27: “E ele lhes disse: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse essas coisas e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras.” Esta, certamente, foi uma grande aula que ressaltou o tema, a pessoa de Jesus. Na sua explanação estava o resumo da lei e seu cumprimento no Cristo ressurreto.
                Ao reconhecerem que ele era o Messias prometido e o Cristo ressurgido e poderoso, abandonaram o medo e a decepção e voltaram a Jerusalém a anunciar a nova era em Cristo Jesus vivo. Sobre isto declara Dockery (2005):
Embora Jesus interpretasse as Escrituras de maneira semelhante à dos exegetas judeus contemporâneos havia novidades tanto em seu método como na mensagem. Esse novo método era uma leitura cristológica, o que significava que Jesus lia o AT à luz de si mesmo. Por exemplo, em João 5 .39,40, registra-se que Jesus disse: “Vocês estudam cuidadosamente as Escrituras, porque pensam que nelas vocês têm a vida eterna. E são as Escrituras que testemunham a meu respeito (grifo do autor)”. E em João 5.46: “Se vocês cressem em Moisés, creriam em mim, pois leu a meu respeito (grifo do autor)”. Na estrada para Emaús, Jesus disse: “Como vocês custam a entender e como demoram a crer em tudo o que os profetas disseram! Não devia o Cristo sofrer estas coisas, para entrar na sua glória? E, começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a respeito dele em todas as Escrituras” (Lc 24.25-27). Jesus concebia o AT de modo cristocêntrico, e a Igreja deriva a identificação de Jesus com Israel dessa concepção de Jesus. (DOCKERY, 2005, p.12).
                A propósito, os conceitos que nortearam a compreensão dos discípulos no caminho de Emaús, também devem ser as considerações de qualquer estudioso da Palavra de Deus.
                Certamente, pastores e leigos que amam a Deus sabem o valor de um culto ao Senhor, que deve ser com ordem e com entendimento, para isso, o estudo é fundamental. O apóstolo Paulo falando aos coríntios trouxe uma maneira ordeira a ser desenvolvida nos cultos de adoração ao Senhor. Em 1 Coríntios 14.26 lemos: “Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação.” Sobre o assunto, na carta de Inácio, bispo de Antioquia, aos efésios, encontramos no número treze:
“13 Tentem se reunir com maior frequência para celebrar a Eucaristia de Deus e louvá-lo. Pois quando vocês se reúnem mais vezes os poderes de Satanás são derrotados e sua capacidade de destruição é anulada pela unanimidade de sua fé. Não existe nada melhor que a paz, pela qual todos os conflitos no céu e na terra são resolvidos.” (PISETTA, 2013, p. 136)

                É notório o cuidado pastoral de Inácio por meio da orientação de congregar e ouvir a voz de Deus presente na reunião da celebração de sua ordenança.
                Atualmente, a questão se estende porque os atuais estudiosos e pensadores da Palavra de Deus têm suas próprias tendências de análise aprofundada que seduz e tenta conduzir o homem a uma crença extrabíblica ou marginal a Palavra de Deus, por isso, esses homens, como os citados por Paulo, são lobos devoradores. Que Deus nos guarde deles. E a própria Bíblia nos manda acautelarmos de tais pessoas, haja vista que os assuntos trazidos por eles não passam de armas usadas por Satanás, por meio de filosofia humana, que tendem a roubar a verdadeira mensagem do evangelho quando negam os princípios da doutrina, da fé, da verdadeira submissão a Cristo, da real posição do homem como ovelha do seu Senhor.
                Isso tudo não é novidade, já que o próprio apóstolo Paulo disse a Timóteo, em I Tm 4.1,2, que “o Espírito expressamente afirma, que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrina de demônios, pela hipocrisia de homens que falam mentira, tendo cauterizada a sua própria consciência”. A recomendação de Paulo a Timóteo foi: persista em ler, exortar em ensinar, isso porque sabia que o lugar de primazia da Palavra iria ser ignorado nos últimos dias. Ele recomendou que se pregasse a Palavra a tempo e fora de tempo, porque o povo iria desejar seus próprios mestres, mas o dever do evangelista é o combate por meio da Palavra.
            O grande desafio da Igreja hodierna está sendo o exercício cristão no seio da Igreja, isso porque os enfrentamentos contra os falsos mestres estão vindo pelas mídias eletrônicas e seminários desprovidos de Igrejas, apenas centrados em “mestres” segundo as concepções humanas. Nesta hora, somos convocados a conservar o modelo da sã doutrina e convencer os contradizentes, "retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina como para convencer os contradizentes." (Tt 1.9).
            A secularização é a principal característica de uma época de utopias, aceitando como boa a vida contemporânea. O anúncio sobre Deus como pregação no mundo secularizado só se consegue por meio estratégias materialistas e formas pragmáticas que mais afastam o homem da Palavra de Deus, porque não leva em conta as Escrituras Sagradas, mas os livros, autores seculares e crentes fora do fundamento dos apóstolos e dos profetas. Esses livros têm a Palavra de Deus, mas não é a Palavra de Deus, eles chegam com a interpretação e recomendações de seus autores. Logo, não se fala pela perspectiva bíblica e, sim, nos conceitos humanos, portanto, nega-se a Palavra de Deus, por conseguinte o próprio Deus da Palavra.
            Está clara nessa divergência que as muitas questões que geram resistência ao estudo sistemático da Palavra de Deus são desenvolvidas por falsos mestres a partir de leituras divorciada da Palavra de Deus. É certo afirmar que para afastarmos essa permissividade da mente de muitos líderes e, principalmente, de muitos púlpitos, será necessário homens cheios do Espírito Santo, que ajam com coragem, retendo firme a fiel Palavra de Deus. Portanto, a igreja necessita de um retorno a verdadeira exegese, cristocêntrica, concebida por meio de estudos sistemáticos da Palavra de Deus, na comunhão com o Pai, pela contrição de um coração devotado em oração e adoração, com a finalidade de repartir exatamente o que o Senhor lhes entregar, a fim de que o povo seja alimento pelo Espírito Santo de Deus.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada, Edição Revista e Corrigida. 64ª Impressão, Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1987.

DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à Luz da Igreja Primitiva. São Paulo, Editora Vida, 2005.

HORTON, M. Stanley, A doutrina do Espírito Santo no Antigo e Novo Testamento, 16ª impressão, Rio de Janeiro, CPAD, 2018.

PISETTA, Almiro. Os pais apostólicos [livro eletrônico] / traduzido por Almiro Pisetta. — 1a ed. — São Paulo: Mundo Cristão, 2013. — (Clássicos)

SILVA, Antônio Gilberto da. A Bíblia através dos séculos: uma introdução. Rio de Janeiro, Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 1986.

STUART, Douglas e FEE, Grodon D. Manual de Exegese Bíblica, Tradução de Estevan Kirschner e Daniel de Oliveira, 1ª ed. – São Paulo: Vida Nova, 2008.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

PERFIL QUALIFICATIVO DO PASTOR

           O ministério pastoral, antes de ser um dever, é uma chamada divina especial ao Pastor para cuidar da Igreja do Deus vivo. As atividades envolvendo o rebanho do Senhor implicam em dedicação constante, aprimoramento sistemático e conduta ilibada, a fim de que o Pastor consiga cumprir os propósitos divinos para com a sua Igreja. 

          Neste sentindo, os textos de 2 Timóteo 2.15 e 1 Timóteo 3.2 expõem essas verdades, mostrando a responsabilidade do Pastor em cuidar de si mesmo, no aprimoramento do conhecimento da Palavra de Deus e, também, cuidar da sua vida de conduta pessoal. 

          Dessa forma, fica clara que a premissa comum existente entre estes dois textos, 2 Timóteo 2.15 e 1 Timóteo 3.2, está diretamente ligado a Palavra de Deus que deve ser pregada por um homem de caráter ilibado. 

          UMA ANÁLISE DOS TERMOS GREGOS PRINCIPAIS 

             É urgente a pregação da palavra, principalmente porque se abrevia o dia da vinda de Cristo. Em atos 6, os discípulos observaram que outras tarefas, ainda que importantes e necessárias, impediam uma dedicação dos pastores no ministério da pregação da palavra, então, escolheram, entre eles, homens cheios do Espírito Santo, constituíram lhes diáconos para os trabalhos gerais e de cuidado das necessidades materiais das pessoas, mas os pastores ficaram com os encargos da Oração e da Palavra. Nos comentários da Bíblia King James 1611, notas de Holman, (p. 2007), ao mencionar 1 Timóteo 3.2 cita: 

"Apto para ensinar é o único requisito desta lista que não é obrigatório a todos os cristãos, nem mesmo aos diáconos. Portanto, esta é uma marca característica do pastor, 1 Tito 1.9.”

          No entanto não podemos pregar uma palavra insolente, somos instados a nos “apresentar aprovados diante de Deus, como obreiros que manejam bem a Palavra da verdade.” (2 Timóteo 2.15). O que se espera dos obreiros é que ministrem com verdade, a palavra genuína do Senhor, principalmente nos dias atuais em que há muitos falsificadores da palavra. 

       Veja como é imperativo: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.” Esta aprovação é diante de Deus e não diante dos homens, ainda que ministramos aos homens, mas a palavra é de Deus. Ela não volta vazia, mas cumpre o que lhe apraz. Quando o verbo procurar é destacado, traz a memória do predador, há a necessidade de envolvimento profundo até que se receba aprovação de Deus. A exigência de buscar aprovação divina sugere ser zeloso estudante, conforme a seguir: 

“«..;procura apresentar-te...aprovado...» No grego é «spoudadzo», que significa «apressar-se», «ser zeloso», «ser urgente», «fazer todo o esforço». Seu objeto é «dokimos», no original grego, que significa «aprovado», palavra usada para indicar a genuinidade do metal das moedas. Também indica o sentido de «aprovado através de tribulações ou testes». «...obreiro...» No grego é «ergates», «trabalhador», «obreiro». Este versículo não nos ordena diretamente o estudo diligente das Escrituras, conforme dizem erroneamente algumas traduções inglesas: «Estuda para mostrar-te aprovado...» Antes, a ordem é geral: «Faz tudo quanto estiver ao teu alcance, faz tudo quanto for necessário para obteres a aprovação de Deus à tua vida, trabalhando e ministrando como líder da igreja». Isso equivale a dizer defender a fé, propagá-la e evitar as «contendas de palavras».” (Champlin, 2002) p.378 

         Os obreiros aprovados são os que manejam bem a Palavra da Verdade. Para ser aprovado deve-se “manejar bem a Palavra da Verdade”. A expressão melhor para procurar, como vimos, é ser zeloso, urgente, esforçado. Esse bom manejo é definido como um corte reto, perfeito, conforme a seguir: 

“...maneja bem ...» No grego é «orthotomeo», que literalmente significa «cortar reto». Talvez essa metáfora tenha sido inspirada pelas atividades dos lavradores que «aram em linha reta», ou pela atividade de um alfaiate, que precisa cortar direito o tecido com que trabalha. No grego posterior, do qual o N.T. é representante, a ideia de «cortar» se perdeu desse vocábulo, que veio a significar apenas «manusear corretamente». A tradução inglesa de Williams diz aqui «...que apresenta apropriadamente...» Não obstante, essas metáforas são instrutivas. Um bom ministro de Deus saberá como usar seus instrumentos para a execução de bom trabalho, tal como o lavrador é habilidoso com o seu arado ou o alfaiate com a sua tesoura. O obreiro cristão saberá como: 1. pregar e ensinar a Palavra; 2. defendê-la; 3. aplicá-la a si mesmo e a outros; 4. sofrer por ela; 5. e resguardá-la. (Ver II Tim. 1:8,13,14 e 2:3, que nos fornecem essas ideias)." (Champlin, 2002) p.378 

       A outra interpretação para o verbo (orthotomeõ) é dada por Guthrie (2020), talvez uma definição mais bem interpretada por ser a mais recente, mas que ao assemelhar-se a definição supracitada, acrescenta-lhe nova compreensão, conforme transcrito abaixo: 

"O verbo (orthotomeõ), além desta passagem, ele ocorre apenas duas vezes na LXX (Pv 3.6 e 11.5). Nos dois casos na LXX o verbo significa “abrir uma estrada reta“, e no presente caso isso tem sido aplicado à estrada que conduz a verdade, que deve ser feita tão reta que todos os desvios dos hereges ficarão evidentes.” (Guthrie, 2020) p. 154, 155 

        Neste mesmo sentido, em 1 Timóteo 3.2, uma das qualificações do obreiro é “apto para ensinar”, tendo semelhante interpretação do manejo correto da Palavra da verdade. Sobre isso escreveu Kelly (1983): 

"Outro aspecto importante nas funções de um superintendente é indicado no pedido de que seja apto para ensinar. Os superintendentes provavelmente devam ser identificados com aquele grupo dentro do corpo dos presbíteros “que se afadigam na palavra e no ensino” (5:17, onde ver a nota). Estes deveres estão mais plenamente especificados em Tt 1:9, sendo que consistem em: (a) lealdade à tradição apostólica, (b) disposição para instruir nela a congregação, e (cj vigilância em confundir os que a pervertem." (Kelly, 1983) p. 78 

     Para um entendimento salutar da obrigação que recai sobre o pastor, começamos pelas explicações de Champlim sobre o desejo manifestado pelo obreiro, conforme 1 Timóteo 3.1. “Esta é uma palavra fiel: se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja.” Assim damos destaque a palavra “episcopado”, na explicação de Champlin, conforme a seguir: 

“«...episcopado...» No grego temos «episkope», que pode significar «vista» (ver Gên. 50:24 e ss., Êx. 3:16; Sabedoria de Salomão 3:7, na Septuaginta; e Luc. 19:44). No presente contexto, entretanto, está em foco a «posição» ou «ofício» de um «supervisor». A forma verbal significa «olhar para», «cuidar de», «supervisionar».” (Champlin, 2002) p.307 

         O Dicionário Teológico de Claudionor de Andrade traz a seguinte referência para Bispo, que corresponde as mesmas definições acima, com alguma variação ou acréscimo: “Bispo, do gr. episkopos, um vigilante. Do lat. Ecles. Episcopus, superintendente. Responsável pela administração e orientação da Igreja local. (1 Tm 3.1-7).” 

         Não é excessivo afirmar que aos Bispos, Pastores, obreiros em geral, várias exigências são requeridas, na sua maioria, qualidades de caráter, haja vista a função que desempenham. Então, voltemos nossas lentes para 1 Timóteo 3.2. “Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar;” 

    Cabe lembrar que o obreiro aprovado tem diversas responsabilidades e qualidades de caráter que devem andar juntas em perfeição diante de Deus, não são somente as elencadas acima, são exigências positivas e negativas, por isso apontamos algumas a seguir: 

              1. não deve ter nada do que possa se envergonhar; 
              2. deve maneja bem a palavra da verdade; 
              3. deve evitar falatórios profanos; 
              4. deve apartar-se da iniquidade; 
            5. deve ser vaso para honra santificado idôneo para uso do Se- nhor; 
              6. deve fugir dos desejos da mocidade; 
              7. deve rejeitar as questões loucas e sem instrução; 
              8. deve ser um servo sofredor. 

        Segundo Kelly, (1983), o padrão de exigência na Ásia Menor, no século I, era um diferencial entre os que pertencia ao mundo pagão e o líder cristão, conforme abaixo: 

“Cada uma das qualidades exigidas era apropriada num superintendente, e algumas delas tinham relevância direta às suas funções. Se o leitor moderno às vezes é tentado a pensar que Paulo colocou suas exigências em nível surpreendentemente baixo, deve lembrar-se que os padrões de conduta não eram altos na Ásia Menor no século I, que as pessoas para as quais as cartas foram escritas tinham saído recentemente de um ambiente pagão e provavelmente ainda tinham estreitos contatos com ele, e que o Apóstolo era um realista.” (Kelly, 1983) p. 76 

      Dentre as muitas qualidades de caráter do bom obreiro, destaca-se a exigência de ser “irrepreensível”, assim entende-se que o obreiro não deva ser um sujeito que não cometa equívocos, mas um homem de Deus que não vive na prática de situações contraditórias a Palavra de Deus. Champlin traz a seguinte interpretação do termo irrepreensível: 

«...irrepreensível...» "No grego é «anepilemptos», que significa exatamente o que temos aqui. Trata-se de forma privativa de «epilambanomai», que significa «deitar mãos sobre», como se fora uma acusação e comprovação de culpa. Portanto, um «supervisor» deveria ser alguém além da possibilidade de ser apanhado em falta, em um escândalo ou em algum vício. E essa palavra é usada somente aqui e em I Tim. 5:7 e 6:14, pelo que é um dos cento e setenta e cinco vocábulos que se encontram nas «epístolas pastorais» mas não encontrados em qualquer outra porção do N.T." (Champlin, 2002) p.308 

     Na observação e argumentação de Kelly, o termo irrepreensível sugere uma condição de vida ilibada que nada possa leva-lo a descredito ao pregar a Palavra de Deus, conforme a seguir: 

"O catálogo começa com um requisito que a tudo abrange; o superintendente deve ser irrepreensível. Ou seja: não deve apresentar nenhum defeito óbvio de caráter ou de conduta, na sua vida passada ou presente, que os maliciosos, seja dentro, seja fora da igreja, possam explorar para desacreditá-lo. Em especial, sua vida sexual deve ser exemplar, e os mais altos padrões devem ser esperados dele: deve ser casado uma só vez. O novo casamento, seja depois do divórcio no caso de um pagão convertido, ou depois do falecimento da sua primeira esposa, é censurado como sendo impróprio num ministro de Cristo. £ igualmente proibido aos diáconos (3:12) e aos presbíteros (Tt 1:6), e conta como uma desqualificação nas aspirantes à ordem das viúvas (5:9)." (Kelly, 1983) p. 76, 77 

      O estudo de 2 Timóteo 2.15 e 1 Timóteo 3.2 revela que o obreiro do Senhor deve ser um homem íntegro no seu caráter e preparado na Palavra. Desse modo pode-se perceber esse impacto na vida do pastor, haja vista que todo seu trabalho e desempenho depende dessas duas qualificações. Então, possuidor de um caráter santo e bem preparado para a correta execução de suas atividades, o pastor está habilitado para a sua primordial missão, a pregação da Palavra de Deus. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada, Edição Revista e Corrigida. 64ª Impressão, Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1987. 

ANDRADE, Claudionor Corrêa de. Dicionário Teológico. 1. ed. Rio de Janeiro, Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 1996. 

BÍBLIA King James 1611, notas de Holman, Edição Revisada, Niterói, BV BOOKS EDITORA/by Holman Bible Publishers, 2018 

CHAMPLIN, Russell Norman. Novo Testamento Interpretado. 1 ed. Volume 5. São Paulo, Editora Hagnos, 2002. 

GUTHRIE, Donald., 1 e 2 Timóteo e Tito – Introdução e Comentário. 1ª ed. – tradução Redondo, Márcio Loureiro, São Paulo, Série Cultura Bíblica – Vida Nova, 2020. 

KELLY, John Norman Davidson. EPÍSTOLAS PASTORAIS Introdução e Comentário. Publicado na Inglaterra pela A&C Black Publishers Ltd., em 1963 - 1ª ed. – tradução de Gordon Chown. São Paulo, SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA e ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA EDITORA MUNDO CRISTÃO, 1983.