S. João 21.17 (Disse-lhe a terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me?
Simão entristeceu-se por lhe ter dito a terceira vez: Amas-me? E disse-lhe:
Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as
minhas ovelhas).
Cuidei de muitas ovelhas quando era menino. Se bem que
naquela fase da vida tudo era mais fácil. O meu rebanho era bem selecionado
entre os frutos de maxixe¹. Os carneiros tinham chifres feitos de espinhos de
laranjeira que atravessavam o corpo do legume de baixo para cima. A excrescência
dura na parte inferior servia de patas e a pontiaguda na superior, de perigosas
armas àqueles animais de que cuidava.
Já naquele tempo havia desentendimento no convívio entre
eles. As brigas eram, possivelmente, catárticas² e comprovadamente inocentes.
Mesmo assim, eu estava lá, metido na questão à procura de apaziguar os ânimos e
preservar as vidas. Aquelas questões me exigiam muito cuidado no trato e sutil
habilidade para desfazer as intrigas. Eu era apenas uma criança e tudo era
brincadeira, mas a minha alma era como de um pastor.
Às vezes me encontro recordando aqueles momentos, e nada
escapa do meu pensamento, relembro de mamãe me chamando para o almoço: “Filho,
deixa um pouco os brinquedos e vem comer com a gente”. Eu obedecia de imediato,
afinal o meu corpo pedia isso também, mas todo meu sentimento e emoção queriam
permanecer cuidando do rebanho. Eu estava na mesa apenas com o corpo. A alma,
definitivamente, era de pastor, estava lá em meio ao rebanho.
Algum tempo depois, em situação escolar, particularmente no
que diz respeito ao ensino da teologia pastoral, reconheci no desdobramento das
articulações entre as práticas sociais e os objetos escolares, conceitos
exegéticos relativos às atividades do guardador de rebanho. E o exemplo
prático de que precisava fora me apresentado na pessoa do Rei Davi, que partiu
da casa do pai a cuidar de ovelhas em meio aos ursos e leões e sabe lá quais
outras espécies de animais perigosos. O desdobramento da sua história é
motivador. Venceu as feras, matou um leão pegando-o pela barba para deixar com
vida as ovelhas. E, quando viu desafiado Israel, o rebanho do Senhor, por um
dos maiores guerreiro daquela época, o temível Golias, não desfaleceu, viu no
gigante um incircunciso, e fez menção do nome do Senhor dos Exércitos, o sumo-pastor.
Assim derrotou-o e tirou o opróbrio da nação israelita.
Diante deste
quadro histórico, o sentido da hermenêutica sagrada, quase que imediatamente,
leva-nos ao domínio das ferramentas necessárias para a prática das ações, instigando-nos
a responder à interrogativa do mestre: “Amas-me? Apascenta as minhas ovelhas”. Apascentar é um ato de amor. Quem ama ao Senhor serve a ele
com inteireza de alma. O apóstolo Pedro depois de responder três vezes ao
Senhor - eu te amo -, escreve uma carta por meio da qual orienta aos
presbíteros³ que apascentem ao rebanho do Senhor, tendo cuidado deles, não por
força, mas voluntariamente, nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto, nem
como tendo domínio sobre eles, mas servindo de exemplo.
Pela terceira vez Jesus pergunta: Amas-me? Eu
respondo como Pedro, um pouco triste: _ Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu
te amo. E Ele insiste: “Apascenta as minhas ovelhas”. Triste sim, porque sinto
faltar-me à espontaneidade para a exposição
prática de cuidar do rebanho. Afinal,
quando era menino não percebia que o rebanho de maxixes corria o risco de cair
na mão de mercenários com desejos mercantilistas como acontece hoje. Líderes
heréticos que oferecem pastos sintéticos para atrair as ovelhas, enganando-as
pelas aparências. E, depois de congregá-las, fazem transações comerciais usando
delas.
Apesar de tudo, a minha tristeza é também meu
sossego, porque o Senhor sabe tudo. O Senhor sabe que eu o amo.
¹planta rasteira, família da Cucurbitácea, como as abóboras, pepino, melão e
melancia. Os frutos são ovalados, com casca espinhosa ou lisa, de cor verde
clara.
²
relativo à catarse, isto é, à sensação de purificação ou alívio.
³anciãos e pastores.