quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

PERFIL QUALIFICATIVO DO PASTOR

           O ministério pastoral, antes de ser um dever, é uma chamada divina especial ao Pastor para cuidar da Igreja do Deus vivo. As atividades envolvendo o rebanho do Senhor implicam em dedicação constante, aprimoramento sistemático e conduta ilibada, a fim de que o Pastor consiga cumprir os propósitos divinos para com a sua Igreja. 

          Neste sentindo, os textos de 2 Timóteo 2.15 e 1 Timóteo 3.2 expõem essas verdades, mostrando a responsabilidade do Pastor em cuidar de si mesmo, no aprimoramento do conhecimento da Palavra de Deus e, também, cuidar da sua vida de conduta pessoal. 

          Dessa forma, fica clara que a premissa comum existente entre estes dois textos, 2 Timóteo 2.15 e 1 Timóteo 3.2, está diretamente ligado a Palavra de Deus que deve ser pregada por um homem de caráter ilibado. 

          UMA ANÁLISE DOS TERMOS GREGOS PRINCIPAIS 

             É urgente a pregação da palavra, principalmente porque se abrevia o dia da vinda de Cristo. Em atos 6, os discípulos observaram que outras tarefas, ainda que importantes e necessárias, impediam uma dedicação dos pastores no ministério da pregação da palavra, então, escolheram, entre eles, homens cheios do Espírito Santo, constituíram lhes diáconos para os trabalhos gerais e de cuidado das necessidades materiais das pessoas, mas os pastores ficaram com os encargos da Oração e da Palavra. Nos comentários da Bíblia King James 1611, notas de Holman, (p. 2007), ao mencionar 1 Timóteo 3.2 cita: 

"Apto para ensinar é o único requisito desta lista que não é obrigatório a todos os cristãos, nem mesmo aos diáconos. Portanto, esta é uma marca característica do pastor, 1 Tito 1.9.”

          No entanto não podemos pregar uma palavra insolente, somos instados a nos “apresentar aprovados diante de Deus, como obreiros que manejam bem a Palavra da verdade.” (2 Timóteo 2.15). O que se espera dos obreiros é que ministrem com verdade, a palavra genuína do Senhor, principalmente nos dias atuais em que há muitos falsificadores da palavra. 

       Veja como é imperativo: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.” Esta aprovação é diante de Deus e não diante dos homens, ainda que ministramos aos homens, mas a palavra é de Deus. Ela não volta vazia, mas cumpre o que lhe apraz. Quando o verbo procurar é destacado, traz a memória do predador, há a necessidade de envolvimento profundo até que se receba aprovação de Deus. A exigência de buscar aprovação divina sugere ser zeloso estudante, conforme a seguir: 

“«..;procura apresentar-te...aprovado...» No grego é «spoudadzo», que significa «apressar-se», «ser zeloso», «ser urgente», «fazer todo o esforço». Seu objeto é «dokimos», no original grego, que significa «aprovado», palavra usada para indicar a genuinidade do metal das moedas. Também indica o sentido de «aprovado através de tribulações ou testes». «...obreiro...» No grego é «ergates», «trabalhador», «obreiro». Este versículo não nos ordena diretamente o estudo diligente das Escrituras, conforme dizem erroneamente algumas traduções inglesas: «Estuda para mostrar-te aprovado...» Antes, a ordem é geral: «Faz tudo quanto estiver ao teu alcance, faz tudo quanto for necessário para obteres a aprovação de Deus à tua vida, trabalhando e ministrando como líder da igreja». Isso equivale a dizer defender a fé, propagá-la e evitar as «contendas de palavras».” (Champlin, 2002) p.378 

         Os obreiros aprovados são os que manejam bem a Palavra da Verdade. Para ser aprovado deve-se “manejar bem a Palavra da Verdade”. A expressão melhor para procurar, como vimos, é ser zeloso, urgente, esforçado. Esse bom manejo é definido como um corte reto, perfeito, conforme a seguir: 

“...maneja bem ...» No grego é «orthotomeo», que literalmente significa «cortar reto». Talvez essa metáfora tenha sido inspirada pelas atividades dos lavradores que «aram em linha reta», ou pela atividade de um alfaiate, que precisa cortar direito o tecido com que trabalha. No grego posterior, do qual o N.T. é representante, a ideia de «cortar» se perdeu desse vocábulo, que veio a significar apenas «manusear corretamente». A tradução inglesa de Williams diz aqui «...que apresenta apropriadamente...» Não obstante, essas metáforas são instrutivas. Um bom ministro de Deus saberá como usar seus instrumentos para a execução de bom trabalho, tal como o lavrador é habilidoso com o seu arado ou o alfaiate com a sua tesoura. O obreiro cristão saberá como: 1. pregar e ensinar a Palavra; 2. defendê-la; 3. aplicá-la a si mesmo e a outros; 4. sofrer por ela; 5. e resguardá-la. (Ver II Tim. 1:8,13,14 e 2:3, que nos fornecem essas ideias)." (Champlin, 2002) p.378 

       A outra interpretação para o verbo (orthotomeõ) é dada por Guthrie (2020), talvez uma definição mais bem interpretada por ser a mais recente, mas que ao assemelhar-se a definição supracitada, acrescenta-lhe nova compreensão, conforme transcrito abaixo: 

"O verbo (orthotomeõ), além desta passagem, ele ocorre apenas duas vezes na LXX (Pv 3.6 e 11.5). Nos dois casos na LXX o verbo significa “abrir uma estrada reta“, e no presente caso isso tem sido aplicado à estrada que conduz a verdade, que deve ser feita tão reta que todos os desvios dos hereges ficarão evidentes.” (Guthrie, 2020) p. 154, 155 

        Neste mesmo sentido, em 1 Timóteo 3.2, uma das qualificações do obreiro é “apto para ensinar”, tendo semelhante interpretação do manejo correto da Palavra da verdade. Sobre isso escreveu Kelly (1983): 

"Outro aspecto importante nas funções de um superintendente é indicado no pedido de que seja apto para ensinar. Os superintendentes provavelmente devam ser identificados com aquele grupo dentro do corpo dos presbíteros “que se afadigam na palavra e no ensino” (5:17, onde ver a nota). Estes deveres estão mais plenamente especificados em Tt 1:9, sendo que consistem em: (a) lealdade à tradição apostólica, (b) disposição para instruir nela a congregação, e (cj vigilância em confundir os que a pervertem." (Kelly, 1983) p. 78 

     Para um entendimento salutar da obrigação que recai sobre o pastor, começamos pelas explicações de Champlim sobre o desejo manifestado pelo obreiro, conforme 1 Timóteo 3.1. “Esta é uma palavra fiel: se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja.” Assim damos destaque a palavra “episcopado”, na explicação de Champlin, conforme a seguir: 

“«...episcopado...» No grego temos «episkope», que pode significar «vista» (ver Gên. 50:24 e ss., Êx. 3:16; Sabedoria de Salomão 3:7, na Septuaginta; e Luc. 19:44). No presente contexto, entretanto, está em foco a «posição» ou «ofício» de um «supervisor». A forma verbal significa «olhar para», «cuidar de», «supervisionar».” (Champlin, 2002) p.307 

         O Dicionário Teológico de Claudionor de Andrade traz a seguinte referência para Bispo, que corresponde as mesmas definições acima, com alguma variação ou acréscimo: “Bispo, do gr. episkopos, um vigilante. Do lat. Ecles. Episcopus, superintendente. Responsável pela administração e orientação da Igreja local. (1 Tm 3.1-7).” 

         Não é excessivo afirmar que aos Bispos, Pastores, obreiros em geral, várias exigências são requeridas, na sua maioria, qualidades de caráter, haja vista a função que desempenham. Então, voltemos nossas lentes para 1 Timóteo 3.2. “Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar;” 

    Cabe lembrar que o obreiro aprovado tem diversas responsabilidades e qualidades de caráter que devem andar juntas em perfeição diante de Deus, não são somente as elencadas acima, são exigências positivas e negativas, por isso apontamos algumas a seguir: 

              1. não deve ter nada do que possa se envergonhar; 
              2. deve maneja bem a palavra da verdade; 
              3. deve evitar falatórios profanos; 
              4. deve apartar-se da iniquidade; 
            5. deve ser vaso para honra santificado idôneo para uso do Se- nhor; 
              6. deve fugir dos desejos da mocidade; 
              7. deve rejeitar as questões loucas e sem instrução; 
              8. deve ser um servo sofredor. 

        Segundo Kelly, (1983), o padrão de exigência na Ásia Menor, no século I, era um diferencial entre os que pertencia ao mundo pagão e o líder cristão, conforme abaixo: 

“Cada uma das qualidades exigidas era apropriada num superintendente, e algumas delas tinham relevância direta às suas funções. Se o leitor moderno às vezes é tentado a pensar que Paulo colocou suas exigências em nível surpreendentemente baixo, deve lembrar-se que os padrões de conduta não eram altos na Ásia Menor no século I, que as pessoas para as quais as cartas foram escritas tinham saído recentemente de um ambiente pagão e provavelmente ainda tinham estreitos contatos com ele, e que o Apóstolo era um realista.” (Kelly, 1983) p. 76 

      Dentre as muitas qualidades de caráter do bom obreiro, destaca-se a exigência de ser “irrepreensível”, assim entende-se que o obreiro não deva ser um sujeito que não cometa equívocos, mas um homem de Deus que não vive na prática de situações contraditórias a Palavra de Deus. Champlin traz a seguinte interpretação do termo irrepreensível: 

«...irrepreensível...» "No grego é «anepilemptos», que significa exatamente o que temos aqui. Trata-se de forma privativa de «epilambanomai», que significa «deitar mãos sobre», como se fora uma acusação e comprovação de culpa. Portanto, um «supervisor» deveria ser alguém além da possibilidade de ser apanhado em falta, em um escândalo ou em algum vício. E essa palavra é usada somente aqui e em I Tim. 5:7 e 6:14, pelo que é um dos cento e setenta e cinco vocábulos que se encontram nas «epístolas pastorais» mas não encontrados em qualquer outra porção do N.T." (Champlin, 2002) p.308 

     Na observação e argumentação de Kelly, o termo irrepreensível sugere uma condição de vida ilibada que nada possa leva-lo a descredito ao pregar a Palavra de Deus, conforme a seguir: 

"O catálogo começa com um requisito que a tudo abrange; o superintendente deve ser irrepreensível. Ou seja: não deve apresentar nenhum defeito óbvio de caráter ou de conduta, na sua vida passada ou presente, que os maliciosos, seja dentro, seja fora da igreja, possam explorar para desacreditá-lo. Em especial, sua vida sexual deve ser exemplar, e os mais altos padrões devem ser esperados dele: deve ser casado uma só vez. O novo casamento, seja depois do divórcio no caso de um pagão convertido, ou depois do falecimento da sua primeira esposa, é censurado como sendo impróprio num ministro de Cristo. £ igualmente proibido aos diáconos (3:12) e aos presbíteros (Tt 1:6), e conta como uma desqualificação nas aspirantes à ordem das viúvas (5:9)." (Kelly, 1983) p. 76, 77 

      O estudo de 2 Timóteo 2.15 e 1 Timóteo 3.2 revela que o obreiro do Senhor deve ser um homem íntegro no seu caráter e preparado na Palavra. Desse modo pode-se perceber esse impacto na vida do pastor, haja vista que todo seu trabalho e desempenho depende dessas duas qualificações. Então, possuidor de um caráter santo e bem preparado para a correta execução de suas atividades, o pastor está habilitado para a sua primordial missão, a pregação da Palavra de Deus. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada, Edição Revista e Corrigida. 64ª Impressão, Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1987. 

ANDRADE, Claudionor Corrêa de. Dicionário Teológico. 1. ed. Rio de Janeiro, Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 1996. 

BÍBLIA King James 1611, notas de Holman, Edição Revisada, Niterói, BV BOOKS EDITORA/by Holman Bible Publishers, 2018 

CHAMPLIN, Russell Norman. Novo Testamento Interpretado. 1 ed. Volume 5. São Paulo, Editora Hagnos, 2002. 

GUTHRIE, Donald., 1 e 2 Timóteo e Tito – Introdução e Comentário. 1ª ed. – tradução Redondo, Márcio Loureiro, São Paulo, Série Cultura Bíblica – Vida Nova, 2020. 

KELLY, John Norman Davidson. EPÍSTOLAS PASTORAIS Introdução e Comentário. Publicado na Inglaterra pela A&C Black Publishers Ltd., em 1963 - 1ª ed. – tradução de Gordon Chown. São Paulo, SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA e ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA EDITORA MUNDO CRISTÃO, 1983.